domingo, 9 de agosto de 2009

119 - Amor em estado bruto


O que é, o que é? Faz você ter olhos para uma única pessoa, faz você não precisar mais sair sozinho, faz você querer trocar de sobrenome, faz você querer morar sob o mesmo teto. Errou. Não é amor.

Todo mundo se pergunta o que é o amor. Há quem diga que ele nem existe, que é na verdade uma necessidade supérflua criada por um estupendo planejamento de marketing: desde crianças somos condicionados a eleger um príncipe ou princesa e com eles viver até que a morte nos separe. Assim, a sociedade se organiza, a economia prospera e o mundo não foge do controle.

O parágrafo anterior responde o primeiro. Não é amor querer fundir uma vida com outra. Isso se chama associação: duas pessoas com metas comuns escolhem viver juntas para executar um projeto único, que quase sempre é o de constituir família. Absolutamente legítimo, e o amor pode estar incluído no pacote. Mas não é isso que define o amor.

Seguramente, o amor existe. Mas, por não termos vontade ou capacidade para questionar certas convenções estabelecidas, acreditamos que dar amor a alguém é entregar a essa pessoa nossa vida. Não só nosso eu tangível, mas entregar também nosso tempo, nosso pensamento, nossas fantasias, nossa libido, nossa energia: tudo aquilo que não se pode pegar com as mãos, mas se pode tentar capturar através da possessão.

O amor em estado bruto, o amor 100% puro, o amor desvinculado das regras sociais é o amor mais absoluto e o que maior felicidade deveria proporcionar. Não proporciona porque exigimos que ele venha com certificado de garantia, atestado de bons antecedentes e comprovante de renda e de residência. Queremos um amor ficha-limpa para que possamos contratá-lo para um cargo vitalício. Não nos agrada a idéia de um amor solteiro. Tratamos rapidamente de comprometê-lo, não com nosso amor, mas com nossas projeções.

O amor, na essência, necessita de apenas três aditivos: correspondência, desejo físico e felicidade. Se alguém retribui seu sentimento, se o sexo é vigoroso e se ambos se sentem felizes
na companhia um do outro, nada mais deveria importar. Por nada, entenda-se: não deveria importar se o outro sente atração por outras pessoas, se o outro gosta de fazer algumas coisas sozinho, se o outro tem preferências diferentes das suas, se o outro é mais moço ou mais velho, bonito ou feio, se vive em outro país ou no mesmo apartamento e quantas vezes telefona por dia. Tempo, pensamento, fantasia, libido e energia são solteiros e morrerão solteiros, mesmo contra nossa vontade. Não podemos lutar contra a independência das coisas. Alianças de ouro e demais rituais de matrimônio não nos casam. O amor é e sempre será autônomo.

Fácil de escrever, bonito de imaginar, porém dificilmente realizável. Não é assim que estruturamos a sociedade. Amor se captura, se domestica e se guarda em casa. Às vezes forçamos sua estada e quase sempre entregamos a ele os direitos autorais de nossa existência. Quando o perdemos, sofremos. Melhor nem pensar na possibilidade de que poderíamos sofrer menos.

Martha Medeiros


15 comentários:

Giane disse...

Sim. Acredito no Amor.
E na forma essencial de vivê-lo.
Talvez por isso, até hoje, não encontrei texto que melhor definisse o que penso do que o da Martha.
E busco alguém que, como eu, também queira encontrar essa forma essencial de viver o Amor.

De momento, parece que encontrei.
"E vamo que vamo"!

Beijos mil e Fiquem Bem e no Bem!!!

Giane disse...

Eu quase esqueço!
Feliz Dia dos Pais para cada Amigo de Boas Palavras que tem a honra e o privilégio de ser Pai.

Beijos mil, para cada um de Vocês!!!

Ana Casanova disse...

Querida Gi,
fico feliz que tenhas encontrado.
O texto é realmente bom e define bem o que alguns como tu, eu e outros pensam de uma relação mas não todos.
Exactamente porque o modelo padrão não me serviu, estou a tentar de novo e vou tentar até morrer! ;D
Beijinhos e bom domingo.

Mauro Castro disse...

Tirei a tarde chuvosa de domingo para visitar o maior número possível de blogs amigos do Taxitramas. Uma empreitada e tanto...
Há braços!!

Carlota e a Turmalina disse...

Oi querida
Tb penso que o amor necessite de apenas três aditivos: correspondência, desejo físico e felicidade. Mesmo que as pessoas se casem, se prendam, ou compliquem um pouco as coisas nunca devem perder a sua identidade.Eu amo o outro e o outro me ama sem a necessidade de tornar-me o outro, ou fundir-me no outro.Quanto mais preservarmos a nossa individualidae, melhor!
Bjos e muitas felicidades

Thais Lopes disse...

adorei seu texto... tem tudo a ver com nossos sentimentos e nossas buscas... como mulher...

obrigada por este texto

bjs

Zilma disse...

Oi, Giane
Com o período de férias por aqui estou postando menos e indo também com menos frequencia a outros blogs. Hoje tirei um tempinho para você e encontrei um texto ótimo. Fiquei feliz ainda com o vídeo de um quase conterrâneo, o Alceu Valença. Beijos e tudo de bom!

vale a pena disse...

Giane: com um coração tão lindo igual ao teu o amor sempre irá visitá-la e espero que fique morando nele. Achei um encanto o seu poste, como eu digo, o amor sempre vale a pena.

Fabi disse...

Adoro Martha Medeiros, ótima escolha, os textos delas dispensam comentários.

beijos

Amigao disse...

o que esta escritora está nos dizendo é a maior definição que já li sobre o amor.
Amor é exatamente isto. Renunciar a si mesmo e se entregar.
Perfeito!

Beijão do amigão!

Cantodomeucordel disse...

A definição de amor, a meu ver, é algo muito pessoal, de momento, circunstancial, obviamente ficando em destaque aqueles conceitos que mais tocam o nosso coração.

O texto de Martha é realmente expressivo e admirável. Um boa escolha inteligente.

Poético abraço do amigo Gilbamar.

Derfel disse...

Querida Giane

Se a Martha se refere ao Eros, estou 150% de acordo :)

Se bem que não devemos esquecer os "outros" amores...

Agradecido pela linda partilha

Jinhos de Paz e LUZ
White_Derfel

Graça Pereira disse...

Texto curioso sobre o amor e sa calhar com alguma razão. Afinal..."ninguém é de ninguém e a vida é mesmo assim"... não é o que diz a canção? Gostei do título do seu blog..virei cá mais vezes. Beijão Graça

Rita Galante disse...

Querida Giane... como é que não podias acreditar no Amor? Tu és Amor! Se não acreditasses nele, estavas a duvidar da tua própria essência!

Beijinhos de Amor e Luz salpicados de gotinhas de Harmonia!

Dulce Miller disse...

Giane, comentei antes, mas não sei onde foi parar o comentário!

Bom, eu adoro a Martha Medeiros e este texto é maravilhoso!!!

Saudades!!!

Beijos!

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